terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

"O Brasil e o Oscar"

Na última segunda-feira à noite, realizou-me mais uma edição (a 84a) da festa de entrega do Oscar. Como já aconteceu em outras oportunidades, a imprensa brasileira mobilizou-se em face da possibilidade de um brasileiro "arrebatar" a famosa estatueta. A "bola da vez", no caso, eram os músicos Sérgio Mendes e Carlinhos Brown que concorriam com a música "Real in Rio" (da animação "Rio") ao Oscar de melhor música original.

A música concorrente pertencia à trilha sonora do último filme dos Muppets. Logo no ínicio da transmissão, a participação do sapo Caco e da porquinha Piggy na cerimônia era um forte indicativo de que, mais uma vez, os brasileiros não ganhariam o prêmio. Veio a minha mente a presença de Sophia Loren na entrega do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1999, quando "A Vida é Bela", de Roberto Benigni, derrotou "Central do Brasil" de Walter Salles. Aquele grito de "Roberto!", quando a eterna musa italiana anunciou o resultado, ecoa até hoje na mente dos que assistiram àquela transmissão. Em muitas oportunidades, a  Academia dá sinais de quem são os seus preferidos. Isto ocorre nos dias que antecedem a cerimônia e também, na prória cerimônia, antes mesmos das estatuetas serem entregues.

O Oscar é, acima de tudo, uma festa que os americanos organizam para celebrar o seu próprio cinema. Ocasionalmente, britânicos e outros europeus e alguns latinos radicados nos Estados Unidos recebem o green card e são admitidos na festa. Neste ano, o filme "O Artista" ganhou os principais prêmios. "O Artista" celebra o cinema antigo, dos anos 20/30, época da transição do cinema mudo para o falado. Mas não é uma celebração de qualquer cinema. É uma homenagem ao cinema de Hollywood. O discurso de agradecimento do Diretor Michel Hazanavicius, com fartos elogios aos Estados Unidos e a Billy Wilder (um dos maiores diretores norte-americanos), não deixa dúvidas de que um dos objetivos a ser atingido por "O Artista" era massagear o ego de Hollywood. Não questiona-se aqui  a qualidade da filme, mas apenas expõe-se sua estratégia de aceitação.

Curiosamente, outro filme de celebração ao cinema, "A Invenção de Hugo Cabret" (do meu ponto de vista, superior em todos os aspectos a 'O Artista'), ficou apenas com os prêmios técnicos, mesmo sendo dirigido por um diretor norte-americano, o mestre Martin Scorcese. No caso de Hugo Cabret, no entanto, o cenário é a Paris dos anos 30 e uma das figuras centrais da história o diretor francês Georges Méliès, um dos grandes pioneiros do cinema. Entre premiar a celebração de Hollywood, por um diretor europeu, ou a celebração do pioneirismo francês no cinema, por um diretor um norte-americano (ou "ítalo-americano"), a Academia ficou com a primeira opção.

Voltando ao Brasil, parece-me que, por vezes, os sinais que a Academia dá todos os anos não são apropriadamente lidos pelos responsáveis pela escolha da produção que postulará uma indicação a melhor filme estrangeiro. A outra alternativa é a de que, a despeito desse sinais, tais especialistas, querendo mostrar "independência" em relação aos norte-americanos e ao que pensam e gostam, ignoram aqueles.

Ora, nada mais contraditório e inútil em termos de dispêndio de esforço e mobilização midiática e da opinião pública. Se fazemos tanta questão de concorrer (e de concorrer para ganhar), que tal darmos um pouco mais de atenção ao que os velhinhos da Academia querem e desejam? Por que escolher filmes com perfil inapropriado para concorrer ao Oscar?

Nas última três oportunidades em que concorremos ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, indicamos ou filmes que possuem temáticas universais ou filmes que, do ponto de vista político, interessaram diretamente aos norte-americanos.

No caso de "O Quatrilho" e "Central do Brasil", embora o cenário fosse a Terra de Vera Cruz, os dramas vividos pelos personagens eram comuns a todos os seres humanos. Em "O Quatrilho", a história é a de um casal de colonos italianos do sul, forçados a ter que começar uma vida juntos após serem abandonados por seus respectivos cônjuges. O filme mostra como um amor pode nascer "artificalmente" a partir de circusntâncias dramáticas. Em "Central do Brasil", emocionamo-nos com a busca do menino órfão de mãe por seu pai desconhecido, no sertão do país, auxiliado por uma professora primária amargurada que redescobre na criança o sentido de amizade e de maternidade. Finalmente, "O que é isso Companheiro?" trouxe no roteiro um fato que imediamente cativou a audiência dos norte-americanos: o sequestro de seu enbaixador por guerrilheiros brasileiros, durante a ditadura militar em nosso país.

Vale ainda citar o cultuado "Cidade de Deus', um fenômeno à parte por ter sido indicado diretamente na categoria de melhor filme. Mas é uma daquelas exceções que confirmam a regra. Em "Cidade De Deus" foi principamente o aspecto estético da direção hábil e fortememente ritmada de Fernando Meireles o fator responsável pelas quatro indcações que o filme recebeu. Fernando Meireles, assim,  carimbou seu passaporte para filmar no exterior desde então.

Nos últimos anos, os encarregados de indicar os filmes brasileiros que lutam por uma indicação ao Oscar parecem ter ignorado a fórmula indispensável no momento da escolha que é a da "temática universal" e/ou  do "apelo político" junto à opinião pública norte-americana.  Indicaram "Lula, o Filho do Brasil" no ano passado, superestimando um apelo político que o filme não possuía. Ingenuamente, acreditaram que o passado pobre do Presidente Lula comoveria a Academia. Com "Tropa de Elite 2", ancorados no estrondoso sucesso de público das aventuras e desventuras do Capitão Nascimento na tentativa de desbaratar milícias nos Rio de Janeiro, subestimaram a "localidade" do tema das milícias e também que thriller policiais sobre tiras corruptos são um dos mais tradicionais "carros-chefes" ou "chavões" da indústria de filmes nos Estados Unidos.

Vejamos se, no próximo ano, os que têm a atribuição de escolher o filme brasileiro que tentará uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro atentam para essas experiências bem e mal sucedidas e voltam a escolher um representante com apelo dramático universal ou apelo político junto aos norte-americanos. Meu voto, desde já, fica  para "O Palhaço", de Selton Mello. O filme sobre o artista de circo que questiona sua vocação e que precisa afastar-se do que faz para reencontrar o amor ao seu ofício  é de delicadeza e singela capazes de emocionar cambojanos, paquistaneses, alemães, japoneses, norte-americanos, enfim, todos que guardam um sentido de humanidade dentro de si. Não precisamos de indiçações ao Oscar ou do carimbo de aprovação de Hollywood para estarmos cientes da qualidade do nosso cinema, mas se insistimos em indicar filmes para concorrer à estatueta, façamos isso, ao menos, criteriosamente. Leiamos os sinais de Hollywood.