segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Minha Relação com o Espiritismo

O espiritismo ganha cada vez mais adeptos no Brasil. Sintomática desta realidade, além do elevado número de centros espíritas no país, é a visibilidade que temas como reencarnação e outros recebem nas telenovelas, na produção cinematográfica e, principalmente, na produção literária.

Nada tenho contra o espiritismo, pelo contrário. Admiro a forma com que os espíritas praticam a caridade e a fraternidade. Vejo em Chico Xavier umas das presenças mais iluminadas entre os seres humanos que já habitaram a Terra. Admiro-lhe a generosidade extrema e o amor infinito e desapegado que nutria pelos seres humanos. Tenho diversos amigos espíritas e enxergo neles uma inclinação para a prática da caridade, rara em adeptos de outras religiões, inclusive a minha (católica).

Contudo, como católico que sou e, portanto, pela fé que professo em "uma só vida eterna após a morte", não consigo deixar de me incomodar com determinados aspectos da fé espírita. Esclareço que meu conhecimento sobre o espiritismo é bastante rudimentar. Jamais li Allan Kardec, nem mesmo best sellers como "Violetas na Janela" ou "Nosso Lar". Meu parco conhecimento é resultado das poucas (mas intensas) conversas que já tive com amigos espíritas. Mas o fato é que nenhum desses amigos conseguiu aplacar minha inquietude e meu descontentamento.

O primeiro aspecto que me incomoda em relação ao espiritismo é a noção de karma. Incomoda-me a ideia de que tenhamos que passar por algumas agruras e percalços na vida em razão de um "débito trazido de vidas passadas", de "contas a ajustar" com nossas vivências pretéritas. Parece-me ser uma tentativa vã de conferir um certo ordenamento racional às constantes injustiças de que somos todos os dias testemunhas, como a morte prematura de um criança inocente, por razões de doença ou violência.  Particularmente, considero razoavelmente arrogante a pretensão de encontrar sentido em determinadas coisas cujas razões para terem acontecido acredito que  não nos são dadas a participar e conhecer. Jamais tive a pretensão de querer compreender porque injustiças acontecem, apesar de insistentemente me inconformar com elas. Penso que diante de tristezas e injustiças só a fé em Deus (livre de outros argumentos quaisquer) salva e conforta, nada mais.

Outro aspecto que me deixa particularmente incomodado (e, neste caso, também angustia) é o da reencarnação. Não consigo deixar de achar estranha a perspectiva de que vivamos outras vidas terrenas, sob diferentes gêneros, raças, alcunhas, nacionalidades etc. Da mesma forma, causa-me perplexidade que aqueles que acreditam em algum Deus não concordem que cada um de nós é um ser único e original.

Explico-me. Creio que eu, Carlos Maurício Pires e Albuquerque Ardissone, nascido no Rio de Janeiro, em 1972, sou único e original. Assim como acredito que cada um de nós é.  Deus possui, de acordo com o que acredito, um dom de criação infinita, capaz de gerar mais e mais seres únicos, "irrepetíveis". A vida não é como um jogo de futebol do qual saímos de vez em quando para voltar para o jogo com outro número e outro nome estampados na camisa.

Os espíritas dirão que é o que é único e original é a alma e não minha atual identidade terrena. Mas mesmo assim, é difícil que me convençam de que eu, Carlos Maurício, já atendi por outros nomes em outras vidas.

A ideia se já ter passado por outras vidas, com outras identidades, outros CPFs (rs) e talvez até outro gênero me deixa triste diante do seu fatalismo. Os espíritas tentarão em confortar me dizendo que minha reação é natural diante do apego que tenho pela minha atual vida na Terra. Mas e daí? Qual o mal do apego? Qual o mal que há em gostar de ser quem eu sou e de querer continuar assim para toda a eternidade? Por que essa ideia de aprimoramento da alma por meio de outras vidas tem que me cativar e seduzir? Gosto de ser quem eu sou, de ser filho de quem sou, de ter nascido na família em que nasci e de ter as qualidades e defeitos que tenho. Se um dos objetivos de viver outras vidas é corrigir ou aprender a lidar melhor com meus defeitos, obrigado, mas declino a oferta. Quero continuar com os defeitos que possuo. Não que não lute para lidar melhor com eles, mas penso que a graça da vida está nas imperfeições. Se o paraíso é feito de almas perfeccionistas que querem reencarnar para se tornarem "melhores", deve ser um lugar muito chato. Sei que o que acabo de escrever pode parecer até pecado, mas espero que entendam o sentido do que quis dizer. Será que no paraíso se erra e se pede perdão ou são todos aborrecidamente (e pretensamente) perfeitos ? E se não são, porque buscar tanto o "aprender" e o "aperfeiçoamento"?

Volto ao fatalismo a que me referia. A perspectiva de já ter encontrado ou de um dia vir a encontrar, em outras vidas, pessoas próximas de mim em minha atual vida (e o que é pior, sem ter consciência disso), me entristece profundamente. Não consigo deixar de enxergar como uma "quase tragédia" a possibilidade de meu pai ou da minha mãe terem já se encontrado comigo em outras vidas sem eu saber disso. Isso não me traz nenhum conforto, pelo contrário, só angústia. Se os espíritas estão certos, não consigo deixar de pensar na nossa existência espiritual como uma grande e irônica tragédia. Isto pelo menos para mim, pois não ignoro em absoluto o quanto o espiritismo conforta milhares de pessoas. Poderei eu continuar a ser só o Carlos Maurício para todo o sempre? Não tenho outras escolha se não a de reencarnar e de abdicar desta identidade terrena pela qual tenho apego?