Há poucos dias, a Comissão Nacional da Verdade (CNV)
divulgou, em evento solene em Brasília do qual participou a Presidente Dilma e
parentes das vítimas perseguidas pelo regime militar de 1964-1985, o resultado
de quase três anos de trabalho: um longo relatório detalhado, com os nomes de
377 agentes de estado apontados como responsáveis e partícipes dos crimes
contra humanidade e abusos legais cometidos pela ditadura. Não obstante o
mandato da Comissão a obrigasse a tratar do período de 1946 a 1988, foi o
período 1964-1985 que mereceu maior atenção, por razões óbvias.
Em visível estado de comoção, Dilma chorou ao lembrar dos
companheiros de luta, mortos, torturados e perseguidos pelos militares. Demonstrou
para muitos, naquele momento, uma faceta sensível e humana, pouco conhecida da
opinião pública. Mereceu aplausos por parte dos presentes, solidários à
demonstração pública de dor e sensibilidade, afastando-se da costumeira imagem
de “dama de ferro” ou “gerente da nação”.
Em seu discurso, Dilma procurou, ainda, enfatizar que o
objetivo do trabalho desenvolvido pela Comissão não foi o de promover o
revanchismo. Em suas palavras, “a busca da verdade histórica é forma de
construir democracia e zelar pela sua preservação, Verdade não significa
revanchismo e não deve ser motivo para ódio. Verdade liberta, produz
consciência, aprendizado, conhecimento e respeito”.
O que, efetivamente, há por trás das lágrimas da
Presidente? Seus colaboradores e admiradores se comoveram por conta da
humanidade cosmopolita e do espírito universalmente democrático que elas supostamente
encerraram. Seus opositores e detratores lhes questionaram a sinceridade.
Os dois lados estão equivocados. O choro da Presidente
Dilma foi bastante sincero. Contudo, suas motivações estão bem distantes das
causas altruístas e humanitárias que seus correligionários e entusiastas
tentaram lhe atribuir.
Dilma chorou por conta de uma esperada e compreensível
sensação de empatia e solidariedade em relação aos companheiros tombados,
especialmente os que, como ela, estiveram na luta armada.
Dilma chorou em função da frustração, nas mãos dos
militares, do projeto político que ela e seus companheiros das organizações
Colina e VAR-Palmares tinham para o Brasil: o de transformação do país em uma
república socialista, uma ditadura do proletariado, aos moldes castristas,
maoístas ou stalinistas.
Dilma chorou pela derrota da utopia que defendia nos anos
60, impregnada de um objetivo tão moralmente superior (promover a justiça
social no Brasil) que foi capaz de fazer com que vários grupos pegassem em
armas, realizassem atentados, assaltos a bancos, seqüestros de embaixadores,
deixando pelo caminho cadáveres de militares como o do soldado Mário Kozel
Filho, 18 anos, morto por uma explosão com bomba no Quartel General do II
Exército, em São Paulo, ou civis mutilados, como o guarda Sebastião Tomaz de
Aquino, o “Paraíba”, ex-jogador de futebol do clube Santa Cruz, que perdeu uma
perna em atentado à bomba no Aeroporto dos Guararapes, no Recife. Foram percalços inevitáveis na via nobre de propósitos que os combatentes do regime militar percorriam.
Dilma chorou porque acredita até hoje que estava investida de um mandato digno e divino quando pegou em armas para combater os militares.
Quando os insurgentes recorreram às armas foi porque os militares praticamente
as colocaram em suas mãos e não deixaram escolha. A vida de nada valia para os
militares. Por isso, era preciso seguir a mesma cartilha para fazer-lhes
frente. Era necessário matar, seqüestrar, roubar e disseminar o medo, mesmo na
população civil. E com tranqüilidade na consciência, pois quando a esquerda pega
em armas faz revolução. A esquerda não é golpista nem terrorista.
Talvez Dilma tenha chorado até pelas 126 pessoas mortas
pela luta armada, segundo números divulgados recentemente pelos clubes Naval,
Militar e da Aeronáutica. Foram mártires inevitáveis, baixas necessárias levadas
ao glorioso altar do sacrifício revolucionário, cujas memórias honram as enormes
provações pelas quais seus companheiros passaram. E que passam até hoje, como
nas perseguições que levaram combativos colegas para a Papuda.
Sim, as lágrimas da Presidente foram sinceras. Obtusos,
frios, insensíveis e reacionários são os integrantes da elite oposicionista, aqueles
que ousam questionar a humanidade que elas revelaram e cobrar do governo
menções expressas e reconhecimentos públicos de supostos erros e excessos que
os integrantes da luta armada cometeram. Não sabem esses ignorantes inimigos do
povo que a nobreza de propósitos, o furor revolucionário e a crença nas utopias os eximiu para sempre de qualquer responsabilidade ou culpa por seus atos?