quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Lula e Obama: uma comparação pertinente?




A eleição de Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos conseguiu mobilizar justificadamente não só a opinião pública norte-americana, mas a opinião pública internacional. Em todo o mundo, Chefes de Estado, a mídia, intelectuais, artistas e uma ampla gama de pessoas das mais diferentes culturas, em todos os recantos do globo, demonstraram interesse e satisfação pelo resultado do pleito presidencial que levou ao poder o primeiro presidente afro-americano.
Não poderia ser diferente. De fato, a eleição de Obama representa, para muitos, uma esperança renovada de humanização das relações internacionais. Espera-se que o malfadado legado da administração George W. Bush no campo da política internacional – caracterizado pelo unilateralismo nos organismos internacionais, pelo belicismo das guerras preventivas no Oriente Médio e pela ignorância do direito internacional - seja definitivamente sepultado em prol de uma inserção mais democrática, multilateral e cosmopolita dos Estados Unidos na diplomacia global. A expectativa é a de que ainda que não venha a se concretizar uma inflexão significativamente benigna no padrão de atuação internacional norte-americano, dificilmente o novo governo conseguirá bisar o desastroso papel desempenhado por seu antecessor na arena internacional.
Além disso, a ascensão ao poder de Obama coroa simbolicamente a história de luta pelo reconhecimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. Foi emocionante assistir em meio à multidão que testemunhou o discurso da vitória proferido por Obama em Chicago, as lágrimas do pastor Jesse Jackson, figura proeminente, ao lado de Martin Luther King Jr. e outros, da luta dos negros norte-americanos contra o preconceito racial, até a década de 60 institucionalizado em diversas regiões dos Estados Unidos, especialmente nos Estados do sul.
Em meio a esse cenário de alegria e esperança renovadas, chamou atenção aqui no Brasil declaração do Ministro da Fazenda Guido Mantega de que a trajetória política de Obama se assemelharia bastante à de nosso Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, pelo fato de ambos provirem de segmentos sociais historicamente excluídos e também em função de que, a despeito das dificuldades enfrentadas, os dois conseguiram superá-las com suas vontades e méritos pessoais. A partir desta declaração, cabe o questionamento: será esta comparação pertinente? Procede a afirmação de que as trajetórias de Obama e Lula são semelhantes?
A princípio, parece que sim. Com efeito, tanto Obama quanto Lula possuem um carisma capaz de mobilizar multidões, o que é reconhecido até por seus adversários. Ambos precisaram superar dificuldades expressivas para atingir os postos de principais mandatários de seus países. Não há como negar que cada um dos dois enfrentou obstáculos consideráveis para alcançar a realização na política. Mas no caso do mandatário brasileiro, a superação da pobreza foi seu grande desafio de vida. Já em relação ao recém eleito presidente dos Estados Unidos, foi o preconceito racial que impôs constrangimentos e barreiras ao seu percurso, antes de conseguir se tornar advogado por Harvard e, posteriormente, político de prestígio. Portanto, enquanto Lula precisou superar barreiras sócio-econômicas, Obama teve que enfrentar obstáculos de natureza étnico-cultural.
Dessa forma, podem ser relativizadas as semelhanças entre Obama e Lula. Obama teve em seu país oportunidades de formação acadêmica e profissional, negadas ao nosso Presidente. Obama pôde crescer num ambiente sócio-familiar próspero o suficiente para, a despeito do preconceito racial imanente, conferir-lhe oportunidade de estudar até se tornar advogado por uma das universidades mais reconhecidas nos Estados Unidos e em todo o mundo.
Já Lula, por incrível que pareça, se aproxima muito mais da figura de um self made man - um daqueles muitos conceitos que importamos dos Estados Unidos - do que o próprio Obama. Lula teve que aprender “na escola da vida”, como faz questão de mencionar por vezes, ainda que tal afirmação seja interpretada por alguns como uma atitude de desdenho pela educação e de inveja dos doutos. Foi a partir do exercício de sua atividade sindical, partidária e legislativa que aprendeu os caminhos da política, com suas armadilhas, obstáculos e atalhos. Lula não teve opção: a falta de educação formal teve que ser compensada de alguma forma pelo valor da experiência na vida pública, a mesma experiência que opositores de Obama afirmam que ele não tem para enfrentar os imensos desafios que se afiguram no campo econômico.
Conclui-se que, apesar da relativa impropriedade da comparação realizada pelo Ministro da Fazenda, ela não é de todo incorreta. Tanto Lula quanto Obama são considerados protagonistas históricos de momentos de mudança que seus dois países demandam. A despeito das inclinações pessoais que possamos ter simpáticas ou não a Lula e a Obama, o fato é que somos testemunhas oculares da atuação de dois líderes que conseguiram se afirmar no seio político em virtude das transformações extraordinárias experimentadas no manto social de seus países nas duas últimas décadas. No caso do Brasil, a eleição de Lula foi resultado, em grande parte, de mudanças importantes no tecido social e da ascensão e maturação política de segmentos expressivos do eleitorado que cresceram na democracia. Quanto aos Estados Unidos, a mentalidade social e cultural de respeito à diversidade que ajudou a eleger Obama foi estimulada pelo crescimento da capacidade de mobilização de parcelas significativas de imigrantes hispânicos, asiáticos e árabes e de minorias étnicas, sociais e culturais – além dos afro-americanos - que conseguiram se articular qualitativamente no american way of life. Isto não sem lutas e percalços e apavorando os conservadores, como Samuel Huntington. Mas sempre ancorados em ações afirmativas, como a polêmica política de cotas, que lhes possibilitaram uma melhor inserção social. Como balanço desta comparação, o único que resta a qualquer um de nós é desejar que tanto Lula quanto Obama consigam satisfazer, pelo menos em parte, as amplas expectativas que geraram. O futuro dirá o lugar que ocuparão na história.

Um comentário:

Gabriela Matarazzo disse...

SENSACIONAL o texto!!!
Até salvei aqui! hehe

Se o Lula e o Obama tem algo em comum eu não sei, só espero que o segundo faça melhor pro País dele, já que o nosso tem deixado a desejar!!