quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

"Sobre Capitu" (ou "Revirando Machado na Tumba")


Passados dois capítulos da minissérie "Capitu", da Rede Globo, já é possível dar uma opinião abalizada sobre a adaptação televisiva deste que, talvez, seja o mais célebre romance da literatura brasileira: "Dom Casmurro", de Machado de Assis.

O que se constata é que, infelizmente, o estilo conhecido de Luiz Fernando Carvalho (um diretor cunhado por parte da crítica como “autoral"), que procura conferir às suas obras uma estética própria e kitsch, pretensamente sofisticada, nada mais faz do que desperdiçar a chance de chamar a atenção dos jovens para a obra fantástica do "Bruxo do Cosme Velho".

Esta pode ser uma opinião purista ou conservadora, é verdade. Mas é impressionante como a Globo, notória pela sua capacidade de realizar reconstruções de época, desperdiçou uma valiosa oportunidade de popularizar Machado. O pretenso intelectualismo do estilo "ópera bufa/rock brechó", as infindáveis licenças musicais e visuais (uma Capitu tatuada?) e a interpretação exageradamente teatral de boa parte do elenco (porque as pessoas não podem falar de uma forma normal?) servem apenas para entediar o "espectador médio", não "iniciado" em Machado. A série de Luiz Fernando Carvalho não é nem uma produção de época nem uma releitura moderna: fica num limbo difícil de compreender.
Há pouco tempo, "Primo Basílio", de Eça de Queiroz, foi adaptado pelo cinema brasileiro para época diferente do romance e para a realidade brasileira. Atualmente, Wagner Moura brilha numa versão contemporânea de "Hamlet" nos palcos de São Paulo. Só que, nestes casos, não há a confusão conceitual que existe em "Capitu". Acrescente-se que tanto Eça, quanto (principalmente) Shakespeare já foram muitas vezes adaptados para o teatro, cinema ou televisão. Em relação aos dois, há uma boa cota de produções "tradicionais" já realizadas que justificam a verve criativa dos que realizam releituras que procuram fugir do lugar comum. Mas este não é o caso de Machado, ignorado anos a fio pela televisão. Quando, finalmente, surge uma oportunidade de adaptar pela primeira vez seu grande romance para este veículo tão poderoso, a Globo confere esta responsabilidade a um diretor que se preocupa mais com a "sua" leitura e com a "sua" linguagem do que com o gosto do público e o mundo original do escritor. Penso em Jane Austen e nas brilhantes adaptações da BBC para os seus romances. Por que não aprendemos um pouco com os que sabem fazer um bom trabalho? Não. Preferimos a criatividade autoral e a licenciosidade poética do diretor em detrimento da fidelidade à obra. Infelizmente, para muitos dos que assistirem ao “Dom Casmurro” de Luiz Fernando Carvalho, a impressão sobre a obra machadiana será a última (e provavelmente a única) que ficará.

2 comentários:

Marina Amaral disse...

Olá, Carlos. Não acompanhei a minisérie; mas li bastante coisa sobre a "mega produção". E, na maioria dos artigos, encontrei pensamento como o seu. Acho que houve um pecado e os produtores não conseguiram o que queriam. Adorei o título "revirando Machado na tumba". Com a experiência global, eles poderiam ter feito melhor e ter popularizado mais a literatura. Primo Basílio, filme, foi espetacular... Mas poder reviver essa doce e misteriosa história, foi gostoso. Um dado curioso (e que sempre acontece), sabe qual é o livro mais vendido nas livrarias neste mês? Isso mesmo!

Carlos Maurício Ardissone disse...

Marina,

Tenho até que me redimir um pouco com o Diretor, pelo último capítulo que foi bem fiel à história, sem tantas licenças poéticas e com atuações maravilhosas. Acho que salvou a série e o saldo acabou sendo possitivo. Interessante este dado que você mencionou. Que bom! Tomara que eu esteja enganado e que a história se torne mais popular.