segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Em crise com Nelson Rodrigues

O ano de 2012 será marcado pelas comemorações dos cem anos da data de nascimento de Nelson Rodrigues, nosso brilhante dramaturgo, cronista e jornalista.

Tenho uma posição de extrema admiração por Nelson desde que, ainda na adolescência, li suas crônicas da "Vida Como Ela é". Além disso, li alguns de seus romances como "O Casamento" e "Engraçadinha: seus amores e seus pecados". Assisti também as inúmeras adaptações de algumas de suas obras para o cinema como "Os Sete Gatinhos", "Perdoa-me por me Traíres" e "Bonitinha, mas Ordinária" (este último aliás, deverá ser lançado novamente na tela grande no ano que vem, em nova versão dirigida por Moacyr Goés).

Além de tudo isso, contribuiu também para aumentar minha simpatia por Nelson o fato de ter sido um grande tricolor, autor de crônicas esportivas épicas e de frases antológicas como "O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade..tudo pode passar..só o tricolor não passará jamais". Personagens míticos do mundo futebolístico como o "Sobrenatural de Almeida" também povoaram as crônicas inesquecíveis.

Apesar de ainda admirar Nelson profundamente, nos últimos tempos venho passando por um processo de "revisionismo" da percepção que tenho de sua obra.

Apreciava, e sigo apreciando, a forma como Nelson expõe de forma despudorada a miséria, a sordidez e perversão humanas, as hipocresias e os falsos moralismos e conversadorismos da pequena classe média carioca, especialmente a suburbana. Apesar de sua obra retratar o comportamento sócio-cultural do Rio dos anos 50/60/70, sua universalidade é óbvia. O histrionismo doentio-sexual de alguns de seus personagens tende a revelar muito do lado obscuro dos homens.

Por outro lado, o fato de ainda querer acreditar na pureza do coração humano e na existência de pessoas bem intencionadas (não falo de ingenuidade) me levou a questionar se a maldade latente na obra de Nelson não se tornou, em algum momento, nociva para mim, estimulando-me a enxergar cinismo e malícia em tudo.

Explico-me melhor. Esforço-me para acreditar que o comportamento descarado, despudorado, perverso, doentio, hipócrita que marcam muitos dos personagens de Nelson são somente manifestações literárias e caricatas de um autor provocador, mas não uma forma lógica, racional e aceitável de definir o complexo comportamento humano, em sua generalidade. Quero crer que nem todos (muito menos a maioria) agem de forma cínica e maldosa. Intencionalmente, busco um pouco mais de ingenuidade e pureza nas pessoas e no mundo. A maldade em Nelson me faz desacreditar no homem ou, pior, me incentiva a aceitar que a sordidez é algo natural, uma propensão congênita em cada um de nós. Ainda quero sustentar esperança em valores como desapego, desinteresse e doação..serão eles meros desvios ou ficções?

Espero sinceramente que não. Que a Nelson siga reservado seu merecido espaço no "Olimpo" da dramaturgia brasileira, mas sem necessariamente elevar a sua obra à categoria de um "tratado psicológico" definitivo do comportamento humano. Sem julgamentos puritanos e moralistas, quero crer que podemos mais que os personagens de Nelson, não podemos?











 

4 comentários:

Gabriela Matarazzo disse...

Putz.... eu sempre venho aqui pra deixar um comentário foda, mas me sinto tão pequena diante dos seus textos, que parece que meus comentários não vão passar de "banais".
AMEI esse texto!
Vc ja leu "O Anjo Pornográfico"? Conta a vida de Nelson, por Ruy Castro!

Carlos Maurício Ardissone disse...

Li sim Gabi. É fantástico e reacende o interesse geral pelo Nelson! Outra biografia do Ruy, excelente, é "Estrela Solitária" sobre a vida de Garrincha.

Leopoldo disse...

Leiam "Inteligência com Dor - Nelson Rodrigues Ensaísta", de Luís Augusto Fischer. A obra destrincha os pilares de Nelson, encaixando-o num gênero não imaginado pelo próprio, a princípio. Alguns de seus mistérios são assim revelados.

Carlos Maurício Ardissone disse...

Boa dica Leopoldo! Vou buscar o livro!